Dona Hortênsia, a passar agora o seu octogésimo
sétimo outono, desde mil novecentos e setenta e quatro que acorda
cedo e entusiasmada em dia de eleições, aparecendo logo na abertura
das urnas na escola do seu bairro para votar no Partido Comunista. Há
alguns meses, ainda passava a sua octogésima sétima
primavera, apareceu-lhe uma coisa na perna e o inchaço e a
comichão não a deixam viver em
paz. Já foi ao médico, que disse que aquilo passava, mas não
passou, pelo que decidiu marcar uma consulta da especialidade. Meses de espera
e, finalmente, no início de outubro recebe a boa nova de uma consulta no dia
catorze de novembro com o Dr. Mattos da Cunha. Ainda faltava um mês e meio, mas
dona Hortênsia ficou animada. Chegou finalmente o dia catorze de
novembro e dona Hortênsia, sabendo que havia greve, começou a ligar para o
hospital às oito horas da manhã. Ficou em espera até às nove horas e desistiu,
com medo de não chegar a tempo à consulta. Vestiu a sua melhor
roupa e foi apanhar os transportes que a levariam ao hospital. Nada, a não
ser uma fila interminável, ali e nos táxis, onde gastaria de bom grado dez dos
trezentos e vinte seis euros e catorze cêntimos que recebe mensalmente de
pensão. Chegou às dez e quarenta e cinco e bateu com o nariz na porta. Nem
médicos nem pessoal administrativo. Só os seguranças de uma empresa privada e
alguns auxiliares que queriam entregar os recibos verdes nesse dia. Dez euros
e duas horas depois voltou para casa sem consulta mas com comichão.
O Dr. Mattos da Cunha acordou tarde nesse dia
catorze de novembro, aproveitando que não tinha de ir trabalhar. Tomou um belo
pequeno almoço, preparado pela sua empregada, e leu o seu jornal preferido
online, lendo com desprezo as notícias da adesão à greve dos mineiros
em Trás-os-Montes. Imaginou-os sujos de carvão e a cheirar a suor. Para o
almoço estava combinado um almoço com os seus dois filhos, um deles piloto
de aviões comerciais, o outro médico como o pai, aproveitando a rara
oportunidade em que nenhum deles trabalhava. A sua mulher foi ao centro
comercial comprar prendas para os netos, estranhando a quantidade de clientes
numa quarta-feira de manhã. Felizmente as lojas tinham reforçado o pessoal para
esse dia. O Dr. Mattos da Cunha almoçou no seu restaurante preferido, mas teve
de sair relativamente cedo, às quinze horas e trinta minutos, porque as
consultas no seu consultório privado começam às dezasseis horas todas as
quartas-feiras.
O Dr. Mattos era especialista em quê? Comichão?
ResponderEliminarO Dr. Mattos era especialista na propagação de um estranho vírus de comichões... E, afinal, dizem as más línguas que foi à pesca.
ResponderEliminarcomichão ... nos olhos??
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