segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Os Nogueira #4







A mensagem de Alice soou como um alarme lancinante.
Bebia Tiago o seu décimo café do dia quando sentiu o seu coração a bater mais forte. A realidade invadiu o seu bem-estar através do e-mail e não mais conseguiu concentrar-se ao longo desse dia. Sempre que o e-mail toca, Tiago treme, temendo ter de dar resposta a alguma questão, travando assim a turbina que o alimenta.
Contra todas as expectativas, Tiago respondeu a Alice:
 "Desde que me enviaste a mensagem, tenho estado a pensar que quero deixar de escrever. As vogais tropeçam nas consoantes. O ponto e vírgula é um travão para as palavras mais fracas, que até com uma simples vírgula se põem a coxear".
Entre a mensagem de Alice e a resposta de Tiago, André ouviu das boas.
Foram vinte minutos de insultos de todos os preços, alguns em promoção ou até com desconto em cartão, mas André tentou explicar-lhe que só Alice poderia desbloquear a situação.
Guardou a mensagem de Alice no bolso, depois de a ter imprimido. Queria relê-la. Tentar perceber em cada uma das nove palavras qual o primeiro, o segundo e o terceiro sentidos da afirmação da sua mulher.
Helena, a sua colega de secretária, perguntou-lhe pelo diretor da redação, com um sorriso nos lábios.
Independentemente da altura do mês, as reações de Helena em relação a Tiago não variavam. Entre o fascínio e a admiração, por um lado, e a inveja o desprezo, pelo outro, Helena não suportava o facto de o chefe de ambos ser tão compreensivo com o seu vizinho de trabalho.
Já há muito tempo que André dizia abertamente que Helena tinha uma paixão vigorosa, mas totalmente reprimida, e por isso potenciada, por Tiago.
Lembrando o episódio da semana anterior, Tiago ria-se do baço ao intestino delgado da reação de Antero, o chefe de redação, quando começou a rasgar os livros que enchiam de pó a sua sala.
Mesmo que Antero tivesse bons argumentos, a autoridade com que se lhe dirigiu naquele dia teria sempre  necessariamente e outros vocábulos que expressem uma certeza como consequência a ira de Tiago. Nunca ele consegue ouvir uma crítica e manter a compostura.
Nesse dia, terá ido longe demais.
Ouvir Antero exigir-lhe que acabasse o seu livro no prazo de um mês era o que temia, com maior ou menor dilação, desde que deixara de escrever as notícias que copiava mecanicamente da agência com quem trabalhavam para passar a dedicar-se à prova de fundo: escrever um romance.
Por onde quer que fosse, nesse final de tarde, o trânsito não o deixava ir buscar o Martim e depois a Margarida. Havia jogo e, em dia de jogo, como em dia de chuva, os carros estão na rua.
Queria ainda passar na loja que fica na esquina da escola da Margarida para ir buscar a prenda de Alice.
Raramente o tinha feito, comprar um presente para festejar o dia do seu casamento, mas este ano era especial.
Sete anos, o momento fatídico para muitas relações.
Tiago reservou mesa para dois no restaurante preferido de Alice, um italiano afrancesado no centro da cidade.
Um ano antes, a situação descontrolara-se em todos os sentidos. Depois de um bom vinho do Douro e de uma série de bebidas de origem brasileira à entrada e à saída, a noite foi toda deles.
Vinte minutos antes da hora marcada para o jantar deste ano, Tiago chegou a casa com o Martim, a Margarida e o colar de diamantes com um ano de garantia que teria sido a prenda de Alice se não tivesse acabado ao pescoço da professora de inglês de Margarida uns dias mais tarde.
Xadrez, era o padrão do pijama que Alice vestia enquanto preparava qualquer coisa na cozinha.
Zangado, ficou Tiago, quando as primeiras palavras que ouviu eram dirigidas ao livro que já não queria, mas queria, ou talvez não, escrever.
A mesa do francês com mania que é italiano ficou vazia nessa noite.

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