– Tiago Nogueira. O prémio para a melhor reportagem do ano vai para... Tiago Nogueira. Quer subir ao palco?
–
Todos os que votaram em mim merecem este prémio. Já estava à espera de ganhar,
pelo que preparei um breve discurso. Gostaria de agradecer em primeiro lugar à minha
equipa, que trabalhou intensamente ao longo deste último ano no meu projeto, em
especial ao Rogério Figueiredo e à Susana Marialva, grandes profissionais e
bons amigos. Sem eles eu não estaria aqui hoje. E por isso o prémio é também para
eles. Uma nota muito especial para a minha mulher, a Alice, e para os nossos
filhos, o Martim e a Margarida. Com eles partilho a minha vida, as minhas
alegrias…
Tiago
acordou pela primeira vez nesse dia pouco passava das sete com o barulho
ensurdecedor da luz que vinha da casa-de-banho onde Alice tratava da higiene
matinal.
Tentou
voltar a adormecer. Não conseguiu. Fechou os olhos e franziu a testa à espera
que o grande António Carvalho Rodrigues, jornalista com décadas de experiência,
primeiro na imprensa e na rádio, nos últimos tempos na televisão e na internet,
aparecesse novamente à sua frente com o prémio.
Tiago
não acreditava que não ia assistir ao seu discurso na íntegra. Esta era a
oportunidade dele. Quem sabe se voltaria a surgir. E ele estava a desperdiçá-la.
O que ele não queria era voltar à sala no intervalo, com o seu discurso já apagado
pelo tempo. Tudo dura, mas muito pouco permanece.
–
Tirando senha, a espera será de duas horas. Não tirando senha, não será
atendido. Suba ao sétimo piso para comprar o impresso e ao nono para carimbar o
impresso. Depois volte ao segundo para entregar o impresso. Felizmente agora é
tudo no mesmo edifício.
Tiago
entrou no elevador e começou a contar os números dos andares depois de pôr a sua
boca no silêncio.
–
Três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, partiu
o teto do prédio, nuvens…
Tiago
não chegou a chegar ao céu, chegando Alice antes disso para, salvando-o e
acordando-o pela segunda vez nesse dia, lhe oferecer um beijinho bem chegado ao
pescoço. Tiago quis contar-lhe o drama que contado Alice não acreditaria. Alice
conhece elevadores que descem. Como podem os elevadores subir? Descer faz
sentido. É a gravidade. A gravidade do momento era outra e tinha gravado
Margarida.
Todos
os sonhos que sonhara para a sua vida refletiam-se nos lindos olhos de Alice.
Alice era meiga, inteligente, ativa. E gostava de Tiago.
Tiago
levantou-se, acordou o Martim, deu o pequeno almoço à Margarida, mudou a fralda
do Martim, vestiu a Margarida com a saia castanha, acompanhou o Martim enquanto
bebia o leite do biberon semi-rápido, gritou com a Margarida para ela ir lavar
os dentes, enfiou o Martim na cama enquanto tomava banho, bebeu um copo de
água, gritou com a Margarida para ela vestir um casaco, vestiu o casaco ao
Martim, pediu à Margarida para tirar uma bolacha da caixa, que acabaria por
ficar na cómoda da entrada enquanto ajeitava o cabelo do Martim. E saíram, de
escadas nesse dia.
Tomilho,
orégãos, salsa, pasta de dentes, bicicleta de montanha. Era essa a lista de
compras afixada com um íman na porta do frigorífico.
Tiago
chegou à escola da Margarida quando se lembrou que se tinha esquecido de informar
Alice da necessidade de comprar os livros de exercícios de matemática que o
professor tinha recomendado na véspera. Esqueceu-se contudo de se lembrar de ir
falar com a professora de inglês que dois dias antes lhe tinha enviado uma
mensagem intrigante com um vocabulário muito gramático.
Tentou
estacionar à porta do jardim de infância do Martim, mas os lugares estavam
como sempre ocupados. Para o Tiago, o Martim é o miúdo mais simpático de toda a
escola. Sempre que vê o pai, o Martim corre para os seus braços. À noite, o pai
corre para o seu quarto e conta-lhe histórias. Divertidas. E sorriem. Enquanto
Alice e Margarida veem televisão.
Tiago
olha para o relógio e assusta-se. Mas pensa no sonho e sorri quando revê a cara
de espanto da Susana ao ouvir o seu discurso. Decide enviar uma mensagem a Alice. Alice não responde. Liga-lhe.
Alice não atende.
Toca
no rádio uma música estrangeira. São nove e meia. Tiago Nogueira tem de estar
na redação às dez e nada se vai passar até lá. Garantido.
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