segunda-feira, 18 de março de 2013

Atirei o pau ao gato



As crianças e os adultos das canções populares infantis são demasiado cruéis.

Começa-se por atirar o pau ao gato, mas não apenas por pura diversão, não, é mesmo com o objetivo claro de o matar! Ainda por cima - e será esta uma sina muito nossa - o insucesso é total. O bicho não bate a bota e a situação descontrola-se totalmente, o gato desata numa berraria e a dona Chica assusta-se. Se pensam que o cenário dramático fica por aqui,

(pronto, claro que não pensam, porque já ouviram esta canção centenas de vezes, mas por uma questão de estilo linguístico, queria deixar-vos em estado de levitação mental)

                                                                   não se iludam, porque ainda vai aparecer uma pulga. Será que é uma pulga linda e simpática? Não, claro que não. A pulga atira-se logo ao pé de alguém e morde-o com força considerável. Ficamos sem saber se o pé é do narrador, do gato ou da dona Chica. O gato não parece ter forma ou dignidade humana nesta história, presume-se, ou não se desejaria a sua morte logo no início, pelo que tem patas e não pés. Entre o narrador e a dona Chica, é difícil dizer, mas eu aposto no narrador, porque a dona Chica ter-se-ia certamente voltado a assustar com a pulga, se esta a tivesse atacado, porque o susto faz parte da sua natureza, e não temos informação de que tal tenha sucedido. Grande alarido novamente, com choros e gritos e, por fim, a pulga é expulsa da sala, ofendida de forma porventura exagerada, etiquetada como maldita.

E isto há várias gerações.



Passemos para o sapo, que a mesma ou outra criança

(eu quero imaginar que é a mesma, porque assim não está tudo perdido e, pronto, isto é tudo por causa de um puto que não gosta de animais e que resolveu pôr-se a cantar umas coisas, teve muitos likes há uns séculos atrás e a coisa pegou)

                                                                         resolve insultar desde o início, considerando-o feio. Parece que o sapo tem a boca torta. Se o sapo é feio e tem a boca torta, é pouco interessante do ponto de vista narrativo, não? Ou, se calhar, não, porque isto não é um casting para os Morangos com Açúcar. Ficamos a saber que há mais uma pessoa na história, necessariamente próxima do narrador, por este a tratar por tu

(pode ser um familiar próximo, a não ser que esta seja uma daquelas famílias em que as pessoas mais próximas, as da família, adotam entre si um tratamento mais formal, com sotaque a condizer)

                                                                 mas que também não aprecia os atributos físicos do sapo (alguém se preocupa com os seus sentimentos, pergunto eu, isto é bullying!). O sapo feio e com a boca torta passa depois a ter dignidade humana, porque utiliza um guardanapo! Um guardanapo? Quem é que se lembrou disto? Enfim, o sapo come a papa e não dá nem uma migalha ao narrador e ao seu amigo. Vocês davam a vossa comida a um sapo se este vos tivesse chamado "feio e com a boca torta"? Claro que não. O sapo volta depois a bicharoco, o que é um desrespeito, uma despromoção inadmissível, tendo em conta que já vimos que utiliza guardanapos. E, notem: como tem comida para dar, já não é um feio sapo, mas um grande sapo. Se tivessem pensado nisso antes, talvez ele não tivesse sido malcriado.




Descobri agora outra canção popular, que confesso que desconhecia, com uma linda mensagem para os nossos meninos irem para casa jogar playstation e ver televisão.

A manhã estava linda. Imaginamos um jardim de Lisboa, em plena primavera, vinte e cinco graus, o sol a iluminar, encantando, cada edifício à volta da praça. Nada melhor para ir brincar lá fora, aproveitar o dia e a vida. É isso: o narrador, criança

(esta não é a mesma criança, porque não está obcecada em maltratar qualquer tipo de animal)

                                                                             está a brincar no jardim. Há esperança! Ou não, vem aí a mãe. Não corras, diz-lhe. Anda mas é para casa ou fica aí quietinho num canto para não te magoares. O narrador despachou a mãe com um "tá bem, tá", mas não é que ela lhe rogou uma praga e o puto caiu mesmo. Magoou-se no joelho, no nariz, enfim, ficou feito num oito. Mas o pior vem depois, porque ficou com um sentimento de culpa tal ("por seu mau fui infeliz") que faz agora tudo o que a mãe lhe diz. Hoje já tem quarenta e oito anos e ainda vive com a mãe num terceiro andar em Benfica.

Há coisas que não se fazem.

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