São novamente 8h30 da manhã e
Alice sai novamente de casa para se dirigir novamente ao laboratório.
Nenhum dia é igual ao
anterior e, no entanto, há alturas em que parece que sim.
Na véspera, o serão tinha
sido passado praticamente em silêncio. Tiago tinha-lhe dado umas respostas
tortas assim que chegou a casa, irritado. Recusou-se a falar do assunto do
livro que tinha de ser escrito e do escritório do Dr. Antero que tinha de ser
arrumado. Pelos vistos, a sua abordagem através do humor tinha falhado.
A Margarida tornou o jantar
um pouco menos incómodo porque fez questão de explicar que há meninos na turma
dela que são fixes e outros que são um seca. No fundo, é essa a distinção na
sociedade também, apesar de o critério não ser talvez quem gosta e quem não
gosta de cantar e dançar. Já o Martim deve ter percebido que não era o momento
para se armar em engraçado porque não atirou os talheres para o chão uma única
vez durante o jantar.
Alice chegou ao café do Sr.
Alberto, onde Mafalda já se encontrava a comer uma bola de berlim e a beber um
café. Pelos vistos, para a amiga o dia também não estava a começar bem. Quando
Mafalda acorda rabugenta vinga-se ao pequeno-almoço, ingerindo o bolo mais
obsceno que conseguir encontrar.
– Então, afinal o que
acabaram por fazer ontem à noite? – Perguntou-lhe Mafalda.
O tempo parou. Tudo perdeu
materialidade à volta de Alice, que se sentiu flutuar. Seria possível? Estaria
tão absorta no dia-a-dia, nas rotinas, que se tinha esquecido? Podia tentar
convencer-se de que a culpa tinha sido dos livros rasgados e dos livros por
escrever, mas não era verdade. Tinha-se simplesmente esquecido.
De repente, sentiu um alívio.
Pelo menos isso explicava a disposição de Tiago na véspera à noite. O tempo
retomou o seu curso e Alice, com um sorriso na cara, saiu em passo acelerado na
direção do seu gabinete.
Não tinha querido admitir nem
para si própria, mas a verdade é que tinha tido medo. Sabia que Helena, a
colega de Tiago, rondava sempre, qual abutre à espera de uma morte. Alice e
Tiago dão-se bem mas por vezes a vida submerge-nos e esquecemo-nos de cuidar.
Gastamos tanta energia com os afazeres diários que depois ficamos com pouca
para o que importa e nos faz felizes.
Completas estas deambulações,
Alice escreveu num e-mail: “Sei o que fiz no final do dia de ontem.” –
esperando que desta vez a abordagem através do humor funcionasse.
Marcou mesa na marisqueira de
que Tiago mais gosta, ligou para a sogra para combinar deixar lá o Martim e a
Margarida depois da escola e pensou que tinha de pôr o pijama de xadrez para
lavar.
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